quinta-feira, 14 de maio de 2009

A prisão, Foucault e a fábrica de delinquência

“Dispor de local adequado para que os presos cumpram suas penas não é somente direito deles, mas principalmente um direito do restante da sociedade”, disse ontem o presidente da subseção de Maringá da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cesar Augusto Moreno, segundo noticiou o diário (http://www.odiariomaringa.com.br/noticia/217111/), e isso vem a calha nesta semana em que o sistema carcerário esteve bastante em foco na imprensa
Esta foi uma semana em que o sistema carcerário aqui da região esteve bastante em foco na imprensa, a começar pela delegacia de Marialva que não tem cadeia e os presos são colocados em uma sala comum de 4 metros por 4, sem janela, ventil~ção e banheiro (os detentos só podem ir ao banheiro duas vezes ao dia em horários marcados), isso sem contar a mulher, presa por tráfico de drogas, que ficou acorrentada por 05 dias na porta da carceragem, dormindo no chão, conforme os representantes da OAB constataram dia 11/05/2009.
Continuando, dia 13/05/2009, O Diário (página A3) noticiou que a capacidade do CDP (Centro de Detenção Provisória) chegou no limite e só poderá receber novos presos depois que houver soltura ou transferência de detentos, o que na prática significa que os detentos terão que aguardar nas cadeias anexas às delegacias - as quais, por sua vez, já estão com lotação superior à capacidade e, mesmo assim, continuam a receber novos presos diariamente.
Neste mesmo dia (13/05/2009), a Gazeta do Povo, de Curitiba (pra sair um pouco de nossa região e mostrar que o problema é generalizado) noticiou (página 9) que a comissão de Direitos Humanos da seção paranaense da OAB constatou em vistoria que oito presos da Delegacia de Furtos e Roubos (DFR), no Jardim Botânico, zona leste de Curitiba, estão no escuro há mais de uma semana. Não bastasse isso, os presos da DFR convivem com ratos, afinal, seria impossível fazer uma boa dedetização sem uma grande operação para remover os detentos.Em outra carceragem, a Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos (DFRV), a mesma comissão constatou a presença de quase 8 presos por vaga.



Michel Foucault, pensador e epistemólogo francês:
"A prisão é um duplo erro econômico: diretamente pelo custo intrínseco de sua organização e indiretamente pelo custo da delinqüência que não se reprime".


Nem há muito o que comentar sobre tudo isso, os fatos falam por si só e para aqueles que acham que "lugar de bandido é na cadeia", é bom lembrar que um dia eles voltarão às ruas e, com bastante sentido, muito mais revoltados do que entraram; é importante, por isso, lembrarmos as ainda atuais lições de Michel Foucault na obra monumental "Vigiar e Punir" (31ª ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2006, pág. 222):

"O primeiro desejo que nele nascerá (no jovem delinquente) será de aprender com os colegas hábeis como se escapa aos rigores da lei; a primeira lição será tirada dessa lógica cerrada dos ladrões que os leva a considerar a sociedade como inimiga; a primeira moral será a delação,a espionagem honrada nas nossas prisões; a primeira paixão que nele será excitada virá assustar a jovem natureza por aquelas monstruosidades que devem ter nascido nas masmorras e que a pena se recusa a citar... ele rompeu com tudo o que o ligava à sociedade".

Para finalizar, um caso concreto específico desta análise do Foucault: a comissão de Direitos Humanos da OAB que visitou as delegacias de Curitiba constatou a existência de um preso que está há 6 meses detido por furtar duas carteiras de cigarro e não teve nenhuma audiência desde então. Ele compartilha a cela com um acusado de latrocínio (roubo seguido de morte). Nestes casos, de furtos de valores irrisórios, o STF afasta a própria tipicidade material do crime pelo princípio da insignificância, mas até lá, quanto ele e outros em situação semelhante já não terão aprendido com seus colegas de cela mais experientes? Ou então, até lá, que tipo de delinqüente o próprio Estado não terá produzido contra si mesmo?




terça-feira, 12 de maio de 2009

As drogas, a polícia e o poder jurisdicional

Hoje inauguraremos o blogue "Cláusula penal", para discutir as questões atuais e práticas do direito criminal. Mas por que o nome de algo referente ao direito das obrigações, eminentemente privado, em uma coluna sobre direito criminal, eminentemente público? É que se o Estado foi formado a partir de um contrato social, como teorizaram Hobbes e Rousseau, o direito criminal seria a cláusula penal deste contrato.

Charles Louis de Secondat, Barão de La Brède et de MONTESQUIEU


A jurisdição (do latim juris = direito e dicere = dizer) é o poder que detém o Estado de aplicar o direito ao caso concreto, com o objetivo de solucionar os conflitos de interesses e resguardar a ordem jurídica e a autoridade da lei. Em um Estado tripartido , segundo o modelo de Montesquieu, como é o nosso, tal função é privativa do poder judiciário. Embora assim seja na teoria e até mesmo por disposição constitucional, não é o que ocorre em relação aos crimes de drogas, onde, indiretamente, quem decide se o acusado responderá ou não o processo em liberdade é a autoridade policial que efetuou o flagrante, retirando um poder que deveria caber privativamente ao juiz, senão vejamos por este caso verídico:


Um amigo meu que advoga em Toledo foi procurado pela mãe de José (aqui os nomes usados serão fictícios) para patrocinar sua defesa vez que ele acabara de ser preso em flagrante, em sua própria casa, acusado por tráfico de drogas, e a boa senhora não entendia como tinham prendido seu filho por tráfico (e ele era apenas usuário) se os policiais lá tinham estado pra resolver um caso de apropriação indébita. Aconteceu o seguinte: José dias antes tinha pegado um carro emprestado de Joaquim se comprometendo a devolver depois de uma semana. Passada a semana e José não tendo devolvido o carro, Joaquim ligou para a polícia militar, que compareceu na casa de José para tentar resolver a situação, entre bate-bocas e xingamentos mútuos, Joaquim num momento de raiva, sabendo que José era usuário, falou para os policiais que ele era traficante e que podiam entrar lá na casa pra verificar porque com certeza encontrariam drogas. Dito e feito. Os policiais então adentraram a casa de José e encotraram um pacote pequeno de maconha, 03 celulares e 02 dvds e apreenderam tudo como prova de que ele praticava o tráfico ilícito de entorpecentes (!), vale ressaltar que não foi apreendida nenhuma arma ou dinheiro (talvez tenham pensado que o tráfico se faz através de escambo como na época do mercantilismo, mas enfim...).
A primeira coisa que meu amigo advogado fez foi, ainda em fase de inquérito, entrar com um habeas corpus alegando a ilegalidade da prisão por terem os policiais adentrado a casa de José sem um mandado judicial, foi indeferido porque segundo entendeu o desembargador que julgou a liminar, o tráfico é crime permanente e o próprio inciso XI do art. 5º da CF autorizaria a prisão nessa situação.
Acolheu o promotor a versão da polícia e feita a denúncia e tendo contra si uma acusação formal pelo Estado, como sendo incurso nas sanções do art. 33 da Lei 11.343/2006, foi pedida sua liberdade provisória, negada pelo juiz porque o art. 44 da referida Lei, veda a liberdade provisória neste caso (embora seja uma flagrante inconstitucionalidade) e mesmo que o juiz quisesse, não poderia conceder, sob pena de "ilegalidade". A defesa prévia que pedia a rejeição da denúncia também não foi acolhida e o processo continua andando, há um mês, e José preso.
Mas o que determinou que ele respondesse ao processo preso?
Os policiais que efeturaram a prisão e encontraram alguma quantidade de droga (que segundo argumento plausível de José, ele sempre comprava o máximo que dava - e não era muito ante seus rendimentos de pedreiro- para se arriscar o menos possível em entrar nas "bocas de fumo" para adquiri-la), 03 celulares (sendo que na casa dele moram 4 pessoas) e 2 dvds, que segundo fizeram constar no inquérito, seriam produto do tráfico. José jamais registrara qualquer antecedente ou passagem policial.
A lei veda a prisão do usuário mas até que ele possa provar que o é, e isso agora só poderá ocorrer ao final do processo, ele continuará preso ... mas por ordem investida pelo poder jurisdicional de quem? Da polícia? ou até pior... de um desafeto seu que queria se vingar por não ter devolvido seu carro.