quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Esqueceram de mim

Chegou-me às mãos, semana passada, um processo (autos 2010.1207-7) que parece ter sido instruído no século XV... O réu foi preso em flagrante e foi esquecido na prisão!

Passaram-se 06 meses e nada de o Ministério Público oferecer a denúncia e ele só não passou mais tempo lá esquecido porque o acusado escreveu uma carta para a mãe Ruth (como carinhosamente é conhecida pelos presos Ruth A. S. Tesche, coordenadora geral do ministério da prisão da igreja adventista) contando a situação.

Simplesmente, lamentável.


Abaixo, o relaxamento da prisão feito ex officio com fundamento no excesso de prazo:




segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Luz, câmera, sistema penal! (documentários)

Foi-se o tempo em que o direito criminal era assunto apenas para os juristas. Ainda bem! 
Bons cineastas têm tratado do tema em documentários que mostram a realidade nua e crua do sistema penal brasileiro, que vai muito além do que é dito nos livros e compêndios.
Fiz abaixo uma lista com 04 excelentes documentários, todos brasileiros, que valem a pena serem assistidos:

1-) O prisioneiro da grade de ferro
(2004, Dirigido por Paulo Sacramento) 
Documentário, filmado pelos próprios detentos, que mostra a rotina dos presos no Carandiru um ano antes de ele ser demolido. Interessante para quem ainda acha que prisão é a solução e também para aqueles que querem ter uma ideia de como era por dentro o maior presídio da América-latina.



2-) A casa dos mortos
(2009, dirigido por Débora Diniz)
"Que se reescrevam então os infernos de Dante Alighieri, mas aqui é a realidade manicomial", a frase dita no filme retrata o que ele descreve, a triste situação dos manicômios judiciais, que sentenciam a loucura a prisão perpétua.
Dirigido pela antropóloga Débora Diniz Débora Diniz,  retrata o dia-a-dia de um manicômio judiciário em Salvador.
* Já escrevemos sobre ele ano passado aqui 


3-) Juízo 
(2007, dirigido por Maria Augusta Ramos)
 Juízo acompanha a trajetória de jovens com menos de 18 anos de idade diante da lei. Meninas e meninos pobres entre o instante da prisão e o do julgamento por roubo, tráfico, homicídio. Como a identificação de jovens infratores é vedada por lei, no filme eles são representados por jovens não-infratores que vivem em condições sociais similares. Ideal para os que ainda acham que só diminuir a maioridade penal resolveria o problema.
As cenas finais de Juízo revelam as conseqüências de uma sociedade que recomenda "juízo" a seus filhos, mas não o pratica.

Disponível em http://filmespoliticos.blogspot.com/2010/07/juizo-maria-augusta-ramos-2007.html

4-) Justiça
(2004, Dirigido por Maria Augusta Ramos)
Este documentário retrata de forma particular, a rotina do Judiciário e do sistema prisional brasileiro, que, através de imagens imperativas, revelam ao telespectador o retrato frio e cruel da realidade carcerária e processual do nosso sistema penal. Ideal para os que ainda não militaram na área penal conhecerem um pouco mais das agruras pelas quais nós advogados passamos nos corredores dos fóruns.



Juntando os 04 documentários dá pra se ter uma ideia do sistema como um todo: 
"Juízo" para mostrar os infratores menores de 18 anos, "Justiça" para mostrá-los depois da maioridade e "O prisioneiro da grade de ferro" e "A casa dos mortos" para mostrarem o que acontece a eles depois de julgados.

O pior é que é tudo verdade.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

A questão do aborto: uma análise criminológica

O aborto tomou conta do horário eleitoral e ao invés de os candidatos à presidência discutirem o caos penitenciário e políticas anti-drogas, prendem-se a discutir um crime que nem de perto é um dos responsáveis pela lotação de processos nas varas criminais; vale dizer, os processos de aborto são raríssimos e dificilmente você encontrará um advogado criminalista que já tenha feito um júri desse delito.

Sem pretendermos adentrar em discussões morais sobre o aborto - se ele é certo ou errado, tentaremos discutir, tão-somente, seus aspectos criminológicos. Assim, antes de qualquer consideração sobre a legalização ou manutenção do aborto, devemos observar como é a aplicada a legislação em vigor (arts. 124 a 128 do CP).

Como foi dito no começo e é facilmente observável, os júris pela prática de aborto são raros a ponto de muitos alunos de Direito caírem no equívoco de pensar que só casos de homicídio vão a julgamento popular e isso ocorre porque a/o abortante só é indiciada e processada quando a prática abortiva dá errado.

O que ocorre, em síntese, é: a gestante tenta por seus próprios meios abortar (seja pelas "técnicas" caseiras, ingerindo remédios abortivos facilmente adquiríveis no Paraguai ou por "parteiras") e  quando, conseguindo ou não levar a cabo o aborto, tem efeitos colaterais graves, como hemorragias, vai ao hospital de onde é comunicado o ocorrido às autoridades, o que gerará o processo. Assim, resta à mulher o seguinte dilema: ir ao hospital e responder a processo criminal ou ocultar ao máximo os efeitos colaterais colando em risco sua própria vida, o que acontece no mais das vezes.

Podemos então constatar o seguinte fato: a legislação atual não coíbe o aborto, apenas induz à ocultação de sua prática. E é justamente na "ocultação" que entra o aspecto social do delito: as mulheres de classe social mais baixa por não terem dinheiro para acessar os meios abortivos mais eficazes ("clínicas" abortivas, dinheiro para comprar remédios abortivos ou corromper médicos e direção de hospitais) são as que mais "erram" por terem que usar métodos caseiros e, por isso mesmo, acabam sendo praticamente as únicas a caírem no sistema penal.

Não se pode reduzir a questão do aborto a apenas uma questão moral/eleitoral como se só a manutenção/extinção do crime no Código Penal bastasse.

Restam, pois, ao Estado, ao escolher manter a criminalização ou legalizar, duas opções: 1- reconhecer sua ineficácia em coibir o aborto e legalizá-lo por uma questão de saúde pública, evitando continuar punindo apenas as abortantes que têm sua integridade física seriamente abalada com a prática porque "erraram" e acabaram tendo que procurar um hospital ou; 2- manter a criminalização, devendo, neste caso, aprimorar os meios de repressão para que a punição do aborto se democratiza, abrangendo além das que obtém pleno êxito na prática delitiva, as abortantes das classes altas, o que, no Brasil de hoje, beira a utopia.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Dica de leitura: Heleno Cláudio Fragoso

Não há dúvidas que Heleno Cláudio Fragoso foi um dos maiores penalistas brasileiros e um dos mais ardorosos defensores dos direitos humanos na época da ditadura militar, devendo integrar a biblioteca de todos que estudam o Direito Penal.

Com o propósito de resgatar a obra desse memorável jurista (que morreu precocemente em 1985, aos 59 anos), o escritório Fragoso advogados disponibilizou na íntegra vários artigos e algumas entrevistas concedidas por ele. Vale a pena conferir:

Endereços diretos: 

> Chamamos a atenção para o artigo "a questão do júri" onde Fragoso faz severas críticas à existência da instituição do tribunal do júri em posicionamento que, posteriormente, ele veio a rever.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Causos do júri I

Aconteceu aqui em Maringá; o dia em que a psiquiatria foi revolucionada:

Na réplica
Promotor:  - Então a defesa diz que o acusado é louco? Dá uma nota de 50 reais então pra ele e vê se rasga pra ver se é louco mesmo!

Na tréplica
Defensor: - RASGUEM os livros e tratados de psiquiatria, fechem as faculdades de psicologia! Como os senhores acabaram de ver, o ilustre promotor acabou de inventar um meio de saber se alguém é louco ou não, só dar 50 reais a ele e ver se rasga!

sábado, 25 de setembro de 2010

Em um interrogatório na da 1ª Vara Criminal de Maringá:

Juiz: - O senhor tem uma condenação anterior aqui por essa vara não é mesmo?
Acusado: - Tenho sim...
Juiz: - E o senhor recorreu da sentença que o condenou?
Acusado: - Imagina, Excelência, se eu iria recorrer de uma sentença sua! De jeito nenhum!

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Quem tem medo do Poder Judiciário?

Muito se fala da epidemia do crack e do cada vez mais lucrativo comércio de drogas e da incompetência das autoridades em resolver o problema (depois de tanto tempo, só agora o crack passou a ser mencionado nas campanhas eleitorais, o que nem de longe significa que seu combate estará entre as principais pautas de quem vier a ser o novo presidente).

Pois bem, terça-feira tive um exemplo claro dessa crise das instituições e que representa muita coisa sobre o ponto em que chegamos...

Estava eu no corredor do fórum defronte a vara criminal esperando o horário de uma audiência e ao meu lado, conversando tranquilamente no celular, estava um sujeito que também estava esperando sua audiência, que seria logo em seguida da minha, só que ele era o acusado.
Enquanto esperava, o tal sujeito, sem se importar se os outros o estivessem ouvindo, estava encomendando alguns "malotes" de boa qualidade e ainda reclamava porque o "bagulho" que haviam mandado pra ele da outra vez não era dos bons e havia alguns "noiados" que num tinham gostado...

Compra-se drogas para revenda em pleno corredor do fórum e agora, quem tem medo do Poder Judiciário?

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Cadê o povo?


(Não) fiz ontem uma audiência um tanto quanto curiosa de tentativa de homicídio. Ninguém, além de eu, o juiz e o escrivão foi: o réu fugiu, a vítima foi internada num sanatório e a testemunha não foi encontrada...

domingo, 5 de setembro de 2010

O dilema do advogado dativo

"Advogado não tem vida; tem prazo", é uma anedota bastante conhecida nos meios forenses e não deixa de ser verdade. E o prazo leva, não raramente, o advogado dativo a um dilema (principalmente quando pega o processo já em andamento): cumprir o prazo ou insistir para ter contato com o réu para que este indique as provas que deseja produzir, contato esse que nem sempre é fácil?

Fui nomeado como dativo em um processo de competência de júri, já na fase do art. 422 do CPP, para arrolar testemunhas no prazo de 05 dias. Como caí de pára-quedas no processo, tentei entrar em contato telefônico com o réu para perguntar-lhe quem poderia depor a seu favor, mas nada de me atender. Tentei, tentei e o prazo se escoando... No 5º dia decidi que insistiria mais, perdi o prazo, mas consegui falar com ele, que me indicou as testemunhas que gostaria de serem ouvidas. Fiz então a seguinte petição ao juiz, justificando o escoamento do prazo em nome de um princípio constitucional maior: o da plenitude da defesa!


EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE MARINGÁ – ESTADO DO PARANÁ

 

Autos n° 2004.2786-3

 

A Defesa de __________________ inicialmente esclarece e justifica que o escoamento do prazo de 05 dias para a apresentação do rol de testemunhas sem sua apresentação se deu ante a dificuldade do defensor nomeado em estabelecer contato com o réu para que este indicasse as testemunhas que corroborassem com sua versão dos fatos. 

Assim, ante o dilema de cumprir o prazo de 05 dias – arrolando, desta forma, testemunhas “às cegas”- ou insistir em estabelecer contato com o réu para que este as indicasse, optamos pela segunda opção, em atenção ao princípio da ampla defesa e, sobretudo, ao da plenitude da defesa que vige, por força constitucional, nos processos de competência do Tribunal do Júri.

Deste modo, com base no art. 422 do CPP, requer a Defesa a ouvida das seguintes testemunhas, todas qualificadas às fls. 216-7, em plenário, em caráter de imprescindibilidade:

• __________________

E também a testemunha:

__________________, esta sem o caráter de imprescindibilidade dado o frágil quadro de saúde que no momento apresenta.

O acusado, por fim, não tem documentos a juntar nem requerimentos a fazer.

 

Termos em que,

Pede deferimento.

 

Maringá/PR, 5 de setembro de 2010.


Luiz Rosado Costa

Defensor nomeado - OAB/PR 54.235


quinta-feira, 2 de setembro de 2010

1° Simpósio de Direitos Fundamentais e Sociedade Política

O Núcleo de Estudos Constitucionais (NEC), Departamento de Direito Público da Universidade Estadual de Maringá (DDP-UEM) e Centro Acadêmico Horácio Raccanello Filho do Curso de Direito da Universidade Estadual de Maringá (UEM) realizarão, nos dias 22 e 23 de setembro de 2010, no Auditório do DACESE, o "1º SIMPÓSIO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E SOCIEDADE POLÍTICA e 1º ENCONTRO CIENTÍFICO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E SOCIEDADE POLÍTICA".
DIA 22 DE SETEMBRO DE 2010 (QUARTA-FEIRA)
Local: Auditório DACESE

Para os pesquisadores...

Haverá paralelamente no dia 23 de setembro de 2010, período da manhã e tarde, no Auditório do DACESE, o "1º ENCONTRO CIENTÍFICO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E SOCIEDADE POLÍTICA". 
Na ocasião, ocorrerão apresentações de trabalhos relacionados à temática do Encontro Científico - Direitos Fundamentais e Sociedade Política.

Para maiores informações sobre a inscrição no simpósio e inscrição de trabalhos para apresentação: http://www.fundamentaispolitica.blogspot.com/

Inscrevi no evento o seguinte trabalho  tratando do encarceramento dos transexuais:

“Prisão e gênero: o encarceramento dos transexuais à luz dos direitos fundamentais”

A questão sexual é, notadamente, um dos graves problemas que permeiam o ambiente carcerário, onde, em muitas das vezes predomina entre suas paredes a promiscuidade e a prática do homossexualismo, sendo esta para muitos, a única alternativa que resta à total abstinência. Não é difícil concluir, neste contexto, que a presença da figura do sexo oposto acaba por estimular e exacerbar a libido daqueles que se encontram há longo tempo em abstinência. Os transexuais, assim, ao serem trancafiados junto com os mesmos de seu mesmo gênero biológico (e não fático), tornam-se alvos preferenciais e fáceis de todo tipo de sevícia. Isto, indubitavelmente, acaba por ofender a sua dignidade humana e sua integridade física, as quais devem ser protegidas pelo Estado por força constitucional. Assim, para que se cumpra o objetivo fundamental de promover o bem de todos, sem preconceitos (art. 3º, IV, da CF) deve o Estado brasileiro assegurar aos indivíduos transexuais que “mudam de sexo” através de cirurgia – e também aos que possuem o transexualismo diagnosticado, mas por algum motivo de força maior ainda não puderam se submeter ao procedimento cirúrgico – todos os direitos e prerrogativas inerentes ao “novo gênero”, dentre eles o cumprimento de pena de acordo com o sexo, conforme elenca o art. 5º, XLVIII, da Constituição Federal. Afinal, vulnerado estará o princípio da dignidade da pessoa humana e obstada a persecução do objetivo de construir uma sociedade livre de preconceitos se alguém é mulher no mundo dos fatos, mas não o é no mundo jurídico (ou vice-versa), por anacronismo do legislador e descaso aos direitos constitucionais, que não deixam de tutelar a todos os indivíduos, os quais não perdem sua condição humana pela perda do gênero de nascença.


quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Um caso escabroso

Ontem um colega me contou de um processo que lhe caiu em mãos daqueles de arrepiar a espinha e, não bastante a hediondez do caso, a reação do pai da vítima talvez tenha nos deixado tão espantados ou mais que o caso em si... Vamos a ele:

José foi acusado de fazer sexo oral em uma menina de 03 anos de idade, filha do dono (e amigo) de uma oficina onde ele trabalhava e que ficava no mesmo terreno da casa.

A mãe da menininha denunciou o caso, quando o soube, à polícia que instaurou o devido inquérito, tendo sido José denunciado pelo Ministério Público. Para tentar compreender melhor o que tinha acontecido e poder preparar sua defesa prévia, o advogado dativo chamou-o para conversar no escritório, tendo aparecido na ocasião José acompanhado do pai da menina

O advogado, surpreso com a presença do pai em companhia do acusado de molestar sua filha, explicou a situação dos autos e tentou mostrar a tamanha gravidade da situação, ao que o pai da menina, amigo íntimo do acusado,  para tentar amenizar a culpa do companheiro pergunta:

- Ué, mas e se a criança tiver gostado?


Nem há o que comentar...


sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Poética penal

Não raro, a prática cotidiana no foro penal acaba endurecendo os operadores do Direito, especialmente os magistrados, que de tanto conviverem com o "pior" que há na sociedade acabam perdendo um pouco da sensibilidade necessária à humanização do direito criminal. 

É por isso que a Defesa muitas vezes tem que se desdobrar para chamar a atenção para as especificades do caso e, assim, tirá-lo da "vala comum". Posto abaixo um exemplo disso, onde a dra. Marisa Medeiros Moraes, fez as alegações finais pela defesa em forma de versos para, pela poética, tentar sensibilizar o juiz da causa.


AUTOS n. 129/87
AUTORA: A JUSTIÇA PÚBLICA
RÉU: EDVALDO SILVA*



ALEGAÇÕES FINAIS PELA DEFESA


MM. Dr. Juiz:

Na noite de seis de junho,
e o ano era oitenta e sete,
resolveu Edvaldo Silva
sair p'ra pintar o sete.

Solteiro, sem compromisso,
borracheiro, desmiolado,
resolveu curtir n'uma boa
um som muito adoidado.

Unindo-se a Áureo Antônio
e um menor, não nominado,
subtraiu um toca-fitas,
na Polícia, avaliado.

Tentando demonstrar, porém,
esperteza contundente,
resolveu negar a conduta
sem ser nada convincente.

Se não foi feliz todavia,
culpa cabe à prova coletada,
pois a vítima, qual cotovia,
cantou a cena presenciada.

Que o crime não foi consumado,
podé até um neófito ver,
reconheça-se, assim, o tentado,
até por força de um dever.

Pois se até a vítima reconhece
total e absoluta flagrância,
como dizer tenha a "res"
escapado-lhe a vigilância?

É primário o rapaz,
sem nenhum antecedente,
bem por isso é que a defesa
vislumbra, seja o Juiz condescendente.

Abarrotar-se presídios
já é coisa ultrapassada;
mesmo porque, não adianta,
tomar-se medida isolada.

Talvez devesse o Judiciário
apertar a presidência,
pois a criminalidade, sim senhor,
é fruto de um viver sem decência.

E decência não é só roupa e comida,
é também dignidade de emprego,
é poder desfrutar de um lazer; vinvendo,
sem ter que ficar devendo.

Mas se a justiça esperada
tarda em vir agasalhar,
convém relembrar o Cristo
que exaltou o "acreditar";

e esperar,
sem esmorecer,
sem vacilar até alcançar...


Maringá, 14 de junho de 1991

Marisa Medeiros Moraes
OAB/PR 11.886

* O nome do réu foi alterado

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Augusto Thompson e a questão penitenciária


"Toda vez que um detento consegue escapar das grades, será, necessariamente, instaurado um inquérito visando a descobrir as causas e as responsabilidades referentes ao fato. Nunca ninguém se lembrou de adotar medida semelhante para cada caso em que um indivíduo, posto em liberdade, após submeter-se ao tratamento intimidativo e curativo da prisão, a ela retorna por força da reincidência". (Thompson, Augusto. A questão penitenciária. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 9)

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Súmula vinculante nº 11 na prática III

Em uma audiência que fiz recentemente:

Juiz: - As algemas estão te incomodando?

Acusado:  - Não senhor...

Advogado: - ?!

Juiz : - Então não precisa tirar não é verdade?!

Advogado: - ???!!!

Juiz: - É doutor, a gente sempre pergunta isso porque, como pode ver, a algema não tá incomodando o réu como ele acabou de falar, então às vezes a gente não tira sem perguntar, pensam que ela incomoda e depois entram com reclamação lá no STF falando que estamos desrespeitando a súmula.


Pra quem perdeu as duas primeiras partes:

http://clausulapenal.blogspot.com/2010/01/sumula-vinculante-n-11-na-pratica.html

http://clausulapenal.blogspot.com/2010/01/sumula-vinculante-n-11-na-pratica-parte_24.html



sábado, 14 de agosto de 2010

Filosofia de garrafão de vinho

O pior é que não deixa de ter seu fundo de verdade...

sexta-feira, 23 de julho de 2010

O país versátil

O Brasil tem 190 milhões de técnicos em época de copa do mundo e 190 milhões de criminólogos em época de crime de repercussão social.


quarta-feira, 14 de julho de 2010

Habeas Corpus: remédio constitucional democrático

O Habeas Corpus é o remédio constitucional mais democrático. Por tutelar um bem jurídico de importância tão grande como é a liberdade pode ser impetrado por qualquer pessoa sempre que alguém sofrer ou se encontrar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir.
Apesar desse caráter democrático,  eu até hoje nunca tinha visto ninguém que não fosse advogado impetrar um, até que, ao manusear um processo que me caiu em mãos, encontro este feito por um preso em favor de outro:

(é só clicar nas imagens para vê-las ampliadas)


sexta-feira, 16 de abril de 2010

O "cavalo louco"

Em um processo que me caiu em mãos fui apresentado a um termo curioso para o furto por arrebatamento: "cavalo louco".
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O "cavalo louco" consiste em o indivíduo passar ao lado da vítima e puxar o objeto que ela carrega, geralmente bolsa, e sair correndo.
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Como a violência é contra a coisa e não contra a pessoa, há furto e não roubo:
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"Simples esbarrão ou toque no corpo não configura roubo" (RT 562/357)
"Arrebatamento com empurrão pode ser desclassificado para furto" (Julgados 71/349)
"Se a violência usada foi só contra a coisa, e a vítima foi atingida sem intenção, apenas por repercussão, há só furto" (RT 608/352 e Julgados 84/251)
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E essa diferenciação entre furto e roubo faz toda a diferença prática; no roubo não se vem admitindo a aplicação do princípio da insignificância, no furto sim, em diversos julgados e em todas as instâncias.
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No caso em tela, o indivíduo foi preso em flagrante e continua preso pela tentativa de furto de R$35 reais, sendo que ao final poderá ser absolvido pela atipicidade material com o reconhecimento da insignificância e na pior das hipóteses, ainda, há a grande possibilidade de que seu regime inicial de pena seja o aberto.
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Enquanto não é julgado o pedido de liberdade provisória que fizemos, ele continuará lá preso, aprendendo com os seus colegas mais hábeis como escapar dos rigores da lei e se aprimorar na "carreira criminosa", estimulada pela própria (i)lógica do sistema penal de um país onde quem subtrai milhões responde ao processo livre e quem tenta subtrair 35 reais permanece preso até se sabe lá quando...
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Pelo jeito, não é só o cavalo que anda louco.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Endereço: República do Seu Siqueira

Num dos autos de processo que me caíram em mãos no Mutirão Carcerário para pleitear a liberdade provisória, o réu, então preso em flagrante, tinha um endereço singular: a república do seu Siqueira, em Diamante do Norte-PR.

Tão habituado ao cotidiano da cidade pequena, onde todos se conhecem e falam a localização não pelo endereço, mas pelo nome do morador, o cidadão acabou pensando que este contexto também seria familiar aos policiais que o prenderam em Maringá.
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Surge então o problema: como alegar que ele possuía residência fixa para pleitear sua liberdade provisória se o único endereçamento era tão-somente este?

Tentamos o seguinte caminho, que se torna mais verossímil para quem já viveu longe das selvas de pedra, em cidades com 10.000 habitantes ou menos:

“O peticionário possui residência fixa na cidade de Diamante do Norte/PR. Segundo o censo IBGE/2009, Diamante do Norte tem uma população de 5.668 habitantes, ou seja, é uma típica cidade interiorana de pequeno porte onde seus habitantes se conhecem mutuamente; vale dizer, a ‘República do Seu Siqueira’ aludida pelo acusado em sua qualificação durante o inquérito, embora não declinado expressamente o endereço, longe está de significar a ausência de residência fixa, mas, pelo contrário, é local facilmente encontrável e conhecido da população do Município, que de tão lugar comum para os seus poucos habitantes, levou o acusado, pessoa simples e que sempre viveu em cidade de pequeno porte, a erroneamente pensar que também seria óbvia a localização da República do Seu Siqueira à autoridade policial e até ao julgador”.

Agora é torcer para que o juiz que vai analisar o pedido não tenha vindo da cidade grande.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Calculadora de penas

Como geralmente quem faz Direito não tem a matemática como forte, esse programinha vem a calhar. Ele calcula os aspectos da pena, como a duração, período, progressão de regime, remição, etc. e vem quebrando um grande galho na hora de fazer os cálculos nos processos em fase de execução.

A "calculadora de penas" está disponível de forma gratuita para baixar no sítio do Ministério Público de Pernambuco: http://www.mp.pe.gov.br/index.pl/caop_crim_downloads


sexta-feira, 2 de abril de 2010

Pequena alteração na Lei de Drogas

Entrou em vigor a lei n. 12.219 de 31/03/2010 que alterou o art. 73 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas):

Art. 1o O art. 73 da Lei no 11.343, de 23 de agosto de 2006, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 73. A União poderá estabelecer convênios com os Estados e o com o Distrito Federal, visando à prevenção e repressão do tráfico ilícito e do uso indevido de drogas, e com os Municípios, com o objetivo de prevenir o uso indevido delas e de possibilitar a atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas.”
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Uma boa inovação legislativa que ampliou a possibilidade de convênios estabelecidos pela União para o combate ao tráfico e uso de tóxicos, antes restritos apenas ao âmbito dos Estados. Afinal, tanto a União, como o Estado são prejudicados com os efeitos do tráfico e da dependência, mas são os Municípios que mais diretamente os sofrem com o aumento da criminalidade urbana.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Causos Criminais: João Nerval o ladrão de 14 real

A área da advocacia criminal é, ao mesmo tempo, a mais espinhosa pela barbaridade de alguns crimes e por toda a questão social que a envolve e ao mesmo tempo a com mais "causos". Em qualquer rodinha de conversa descontraída de advogados criminalistas há sempre alguma história bizarra ou cômica para se contar; talvez seja esta uma, ainda que pequeníssima, compensação aos espinhos desta área, que são muito numerosos (e conta inclusive com episódio recente de chute a advogado).
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Esse caso vi há algum tempo no youtube do João Nerval, o ladrão que se defende alegando que gera emprego pro repórter, pro escrivão, pro promotor, pro delegado...


Fica minha recomendação também do livro "Causos criminais" do Roberto Delmanto, pela editora Renovar. E enquanto não me apresentarem um livro de "causos cíveis ou trabalhistas", penal continuará sendo, pelo menos, a área mais legal do Direito =)

terça-feira, 23 de março de 2010

A tutela penal da recusa a serviço eleitoral é mesmo necessária?

Aproveitando este ano de eleições, comecei a tentar me aprofundar um pouco mais no direito penal eleitoral e me chamou a atenção o "cochilo" do legislador no art. 344 do Código Eleitoral, que tem a seguinte redação:

"Art. 344. Recusar ou abandonar o serviço eleitoral sem justa causa:
Pena - detenção até dois meses ou pagamento de 90 a 120 dias-multa."

Este tipo penal, com equivalente em diversos outros diplomas legislativos brasileiros anteriores, visa a assegurar o bom e regular andamento do processo eleitoral, coibindo a recusa e o abandono por parte de quem, legalmente, tenha recebido a incumbência do serviço eleitoral (p.e. mesários), não se aplicando, em nosso ver, o presente tipo aos funcionários de carreira das Juntas Eleitorais. Nesta linha, Joel Cândido acentua que: "o art. 344 se aplica, somente, aos mesários, escrutinadores, auxiliares e seus respectivos susbstitutos ou suplentes, e só para os serviços de votação e apuração" (in: Direito Penal Eleitoral & Processo Penal Eleitoral. Bauru: Edipro, 2006. p. 377)

Podemos observar, na análise dos núcleos do tipo, um verdadeiro vácuo legislativo quando se constata que o simples não-comparecimento do convocado ao serviço eleitoral não configura o crime do art. 344, que só contempla as ações de "recusar" e "abandonar", ao passo que não comparecer é uma omissão.

Assim, não se admitindo à luz dos princípio da legalidade (nullum crimen nulla poena sine lege stricta) a interpretação extensiva do tipo para abarcar a figura omissiva, tem-se que a ausência do convocado irá caracterizar tão-somente infração administrativa, prevista no art. 124, caput, do Código Eleitoral (pagamento de multa). A contradição reside exatamente aí: nas duas situações tanto não comparecer como se recusar ou abandonar terão iguais efeitos prejudiciais ao andamento das eleições, todavia, de forma aparentemente inexplicável um conduta é incriminada e outra não, contrariando frontalmente o princípio da proporcionalidade.
E não é demais ressaltar que a sanção administrativa já serve para tutelar a infração do art. 344, até porque, como demonstrado, já serve para tutelar os casos de ausência injustificada, sem que seja necessária a sempre drástica intervenção do Doreito Penal, que deve manter seu caráter fragmentário, intervindo apenas onde os outros ramos do direito não puderem tutelar eficazmente o bem jurídico, o que não é o caso em tela.

Enquanto o legislador não enxergar o Direito Penal como razão última e continuar a vê-lo como remédio para todos os males dificilmente essas quase infinitas lacunas existentes na legislação penal serão suprimidas. Nesse tempo, quem não quiser ser mesário não diga abertamente que não vá e nem tampouco vá para depois logo em seguida sair, simplesmente não vá. É o que (in)diretamente parece dizer o legislador eleitoral para aqueles que querem fugir da convocação e ao mesmo tempo da intervenção penal.

quinta-feira, 18 de março de 2010

E também não comete crime quem incita publicamente o linchamento de criminoso?

Conforme noticiado no UOL:
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"O ex-deputado extremista Afanasio Jazadji teve esta semana uma estreia no SBT digna de um 'bastardo inglório´. No programa 'B.O.´, como comentarista, ele defendeu que a população deveria fazer o escalpo e linchar um criminoso em São Paulo. Um dia antes, na terça, praticamente teve um orgasmo, ao vivo, ao comentar a morte de outro ladrão durante a fuga, após um assalto a residência".
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"se a população pega esse cidadão, tem que tirar o escalpo dele, pelo menos!!!"

"tem um vagabundo pendurado no muro, espetado, é realmente uma satisfação!"

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Volta e meia aparecem na televisão alguns figurões como esse, com discurso sádico e oportunista, repleto de clichês que podem se mostrar sedutores em tempos de crise ao apresentar o Direito Penal como remédio para todos os males... mas, se assim fosse, a América-Latina estaria próxima da solução com o exacerbado alcance que o Direito Penal adquiriu nesses últimos anos (e a situação só piora).

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E isso é mais preocupante quando é um ex-deputado (vale dizer, ex-representante do povo que deveria zelar pelo bom cumprimento das leis e da constituição) quem prega ao vivo a usurpação da função jurisdicional, precipitando julgamento e penas, com a criação de um processo ultra-sumário, sem rito e sem regra, onde o que importa é a rápida resposta à sociedade vítima do medo coletivo.

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Ora, fôssemos adotar essa sistemática absurda e medieval, o próprio apresentador do programa teria que ser o primeiro a ser linchado, afinal incitar, publicamente, a prática de crime é crime previsto no art. 286, do Código Penal. E cumpre esclarecer, ele, à luz da Constituição, ainda não é culpado e só o será, se for, depois de regularmente julgado e tendo sido-lhe assegurados todos os meios de defesa e o devido processo legal...
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Agora será que ele confia tanto na eficácia do sistema que prega a ponto de pedir a aplicação a si próprio ou exigirá um bom advogado para cuidar de sua defesa e um juiz regularmente constituído para julgá-lo (como deveria ocorrer com todos acusados)?
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A resposta a essa pergunta é muito simples, ao contrário da solução para o problema penal..
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"A futilidade das punições severas e do tratamento cruel, pode ser demonstrada mil vezes. Enquanto a sociedade for incapaz de resolver seus problemas, a repressão, solução fácil, será sempre aceita" (Rusche e Kirchheimer, citados por Claudio Heleno Fragoso em "Direitos dos Presos. São Paulo: Forense, 1980. p. 15-6)

sexta-feira, 12 de março de 2010

Novo princípio de direito penal: o réu deve pagar pelas omissões do Estado

Este é um daqueles casos que vão para as pérolas do Judiciário e que seria até cômico, se não fosse trágico.
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O cliente em questão está preso e embora já tenha atendido aos requisitos para progredir seu regime de cumprimento de pena em 15 de novembro do ano passado, continua no regime fechado, motivo: não há vagas para o semiaberto.
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Em atenção ao corolário penal de que ninguém pode cumprir pena de forma mais gravosa que a que lhe foi imposta, que decorre do próprio princípio da legalidade, a Defesa, patrocinada pelo meu grande amigo e colega João Rezende Filho, pediu sua transferência para o regime aberto ou domiciliar até que abrissem vagas no regime semiaberto. Eis a resposta da magistrada (no final da postagem segue a sentença na íntegra):
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Pois é, nada de art. 5°, XLV da CF: o réu paga, além de seus erros, pelos erros do Estado.

É uma nova e perigosa "linha doutrinária", afinal se adotarmos o pensamento expresso na sentença de forma mais ampla, o "in dubio pro reo" não poderá ser aplicado em benefício do acusado quando houver possíveis omissões da polícia.

Leva ao arrepio qualquer penalista pós-Beccaria, que aliás, deve estar se remexendo no túmulo numa hora dessas.

Íntegra da sentença:

(Obs: o nome do réu foi por nós rasurado)







quarta-feira, 10 de março de 2010

A primeira audiência

Hoje fiz minha primeira audiência, foi na 3ª Vara Criminal como dativo.

Ao chegar, pedi para conversar reservadamente com o acusado que claramente não gostou de ter sido nomeado para ele um advogado novo. Pacientemente expliquei que já tinha trabalhado na área criminal no Serviço de Assistência Judiciária da UEM por 03 anos, o que parece tê-lo acalmado um pouco.


Correu a instrução normalmente. O caso era uma receptação de receptação, ou seja: A furtou uma moto e a vendeu para B que vendeu para C, que era meu cliente.


Um detalhe no caso me chamou a atenção: os policiais civis chegaram a C porque ao passarem na frente de sua residência e checarem a placa de sua motocicleta, que estava estacionada defronte, constataram que era "fria", tendo então prendido-o em flagrante pelo crime do art. 311 do CP. Ocorre que durante o inquérito constatou-se, inequivocamente, que A é quem tinha adulterado a placa. Diante disso, foi então C acusado pelo Ministério Público apenas pela receptação, art. 180, do CP.
Como a receptação nas modalidade de "adquirir" e "receber" é crime instantâneo, não havia flagrante em relação a C diante do novo enquadramento, mas mesmo assim continua preso pelo flagrante do crime do art. 311, do CP que não praticou.

Pleiteei ao final da instrução, oralmente, ao juiz pelo relaxamento do flagrante diante da ausência dos requisitos do art. 302 do CPP; a promotoria se insurgiu alegando ser a receptação crime permanente, insisti no pedido e ele foi reduzido a termo para apreciação por escrito do MP e decisão do magistrado. Vamos esperar e ver amanhã o que se decide.
Quanto ao cliente desconfiado do começo, ficou com a feição mais tranquila e até me agradeceu ao ver a instransigência na luta pelos seus direitos. Nessas horas, no começo de carreira, gostaria de aparentar ser mais velho pra evitar essas desconfianças pela idade. Só que quando eu ficar mais velho, provavelmente, quererei parecer mais novo... vai entender?!

sábado, 6 de março de 2010

Uma análise penal sobre a fraude à 2ª Fase do Exame da OAB 2009.3


Como é cediço, ante a suspeita de fraude na 2ª fase do Exame de Ordem, a CESPE/UnB, responsável pela aplicação da prova, e a OAB suspenderam a correção e a divugação dos resultados da prova prático-profissional do Exame de Ordem 2009.3, aplicada em 28 de fevereiro de 2010, até deliberação do Colégio de Presidentes de Seccionais da OAB que se reúne em Brasília no domingo, dia 07 de março de 2010.


Um dos episódios da fraude, consistiu em um dos examinandos, em Osasco (SP) ter as respostas da prova anotadas a lápis nas páginas do Código Penal, que podia ser consultado durante a prova. Diante disso, surge a questão: o examinando em questão cometeu crime? Se sim, qual?

Apesar da elevada reprovação social às fraudes, mormente no caso onde 18.500 bacharéis em Direito serão prejudicados se a prova efetivamente for anulada, e ao prejuízo que causam para a elaboração do novo certame, nossa legislação penal vigente carece de um tipo incriminador para a conduta de fraudar concursos públicos, extensivo ao Exame de Ordem pela sua função.

Parte da doutrina e jurisprudência em forçada hermenêutica, para não deixar condutas de tamanha gravidade sem punição penal pela omissão legislativa, enquadram a conduta como estelionato (art. 171, do CP), como neste recente aresto, mutatis mutandis, do STM:

APELAÇÃO. ESTELIONATO. FRAUDE EM CONCURSO. INSTITUIÇÃO DE ENSINO MILITAR. PREJUÍZO CARACTERIZADO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DO SURSIS. APELO PROVIDO PARCIALMENTE. MILITAR QUE PARTICIPA DE ESQUEMA FRAUDULENTO NO CONCURSO PARA INGRESSO NA ESCOLA DE ESPECIALISTAS DE AERONÁUTICA (EEAER) MEDIANTE A UTILIZAÇÃO DE UM TERCEIRO PARA SUBSTITUÍ-LO NA REALIZAÇÃO DO EXAME, QUE LHE ASSEGUROU O INGRESSO NA CARREIRA MILITAR. Presença dos elementos essenciais do crime de estelionato, previsto no art. 251 do CPM: meio fraudulento, dolo em induzir a Administração Militar a erro, vantagem ilícita obtida pelo agente consubstanciada no ingresso no curso de sargentos da referida instituição de ensino. Materialidade comprovada mediante prova pericial, cuja conclusão atesta que os lançamentos gráficos constantes das provas não partiram do punho do acusado. A contraprestação do serviço prestada pelo acusado durante o treinamento técnico-militar não tem o condão de excluir o prejuízo da Administração Militar, pois persiste a formação de um militar sem habilitação nas provas intelectuais. Apelo defensivo provido parcialmente para conceder o benefício da suspensão condicional da pena. Decisão unânime. (STM; APL 0000003-45.2004.7.02.0202; Rel. Min. Antônio Apparicio Ignacio; Julg. 16/12/2009; DJSTM 05/03/2010)

Tal solução, ao menos aparentemente sana a omissão do legislador, mas viola o princípio constitucional da legalidade. Senão vejamos:

a) o sujeito passivo do estelionato deve ser pessoa certa e determinada, não ocorrendo, como assinala Julio Fabbrini Mirabete, “estelionato, mas crime contra a economia popular quando atingidas vítimas indeterminadas[i]”. No caso, agravado até pela abrangência nacional do Exame de Ordem, fica impossível determinar precisamente os sujeitos passivos;

b) o estelionato é crime contra o patrimônio que para a configuração do tipo subjetivo exige a “vontade de obter ilícita vantagem patrimonial para si ou para outrem”[ii]. O Exame da OAB serve apenas para verificar a aptidão do indivíduo ao exercício da prática profissional como advogado, não trazendo por si só qualquer vantagem patrimonial direta, afastando-se de forma inequívoca, no caso, a existência do dolo específico para que o estelionato restasse caracterizado.

Neste sentido, acertadamente, decidiu o STJ em caso análogo que:

HABEAS CORPUS. FRAUDE A VESTIBULAR. "COLA ELETRÔNICA". ESTELIONATO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. USO DE DOCUMENTO FALSO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. TRANCAMENTO DA AÇÃO. ATIPICIDADE E PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1 - Paciente denunciado por estelionato, falsificação de documento público, falsidade ideológica, uso de documento falso e formação de quadrilha, (artigos 171, § 3º, 297, 299, 304 e 288, todos do Código Penal), em concurso material. 2 - "Fraudar vestibular, utilizando-se de cola eletrônica (aparelhos transmissor e receptor), malgrado contenha alto grau de reprovação social, ainda não possui em nosso ordenamento penal qualquer norma sancionadora" (INQ 1145/STF). 3 - Writ concedido para reconhecer a atipicidade da "cola eletrônica" e trancar a ação penal no que diz respeito às condutas tipificadas nos artigos 171, § 3º e 299 do Código Penal, mantida a persecução penal em relação as demais condutas típicas e autônomas. (STJ; HC 39.592; Proc. 2004/0162092-7; PI; Sexta Turma; Rel. Des. Conv. Haroldo Rodrigues; Julg. 19/11/2009; DJE 14/12/2009)

Cabe ainda destacar que tampouco cabe o enquadramento da conduta da fraude ao tipo do art. 288 (falsidade ideológica) do Código Penal, porque nas anotações do examinando em seu Código Penal, tal como no caso narrado, porque não foi inserida ou omitida “declaração falsa ou diversa daquela que deveria ser escrita", mas pelo contrário. Assim, o examinando, inequivocamente, não cometeu crime.

Nesta linha, com o fim de suprir este verdadeiro vácuo legislativo, que estão prontos para votação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania três projetos de lei do Senado que tipificam como crime - com previsão no Código Penal - a fraude em concurso público, correntamente entre os crime de “fraude à fé pública”[iii].

Enquanto a lei não vem, a conduta continua atípica, restando apenas aos examinandos prejudicados a busca pela reparação dos danos na esfera civil.
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Notas:
[i] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Vol. 2. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 1991. p. 273.
[ii] Idem, p. 276.
[iii] http://www.senado.gov.br/Agencia/vernoticia.aspx?codNoticia=98690&codAplicativo=2. Acesso em 06/03/2010.



sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Diário de um advogado iniciante, I: a carteira da OAB


Aprovação no exame da OAB, fim da faculdade... e eis que de súbito deixei de ser o "futuro do país" para ser "problema social".

Fiz hoje o juramento na OAB para finalmente virar advogado mas... e agora?

Agora, sem ter ainda uma carteira de clientes, estou com uma bela pastinha dada de "brinde" (só a inscrição como advogado já foi R$140,00) e uma anuidade de R$500,00.

Mais interessante é notar o que vem dentro da pastinha "brinde" e que quase esqueço de mencionar: um impresso com os mandamentos do advogado, um adesivo escrito "assegure seus direitos: consulte um advogado)", um comunicado de que as credenciais definitivas ficam prontas em trinta dias e a prata da casa: um aviso de "PREENCHA OS DADOS E IMPRIMA OS BOLETOS DA ANUIDADE PROPORCIONAL", em letras enormes (fonte 14) e todas maiúsculas e um singelo cartãozinho desejando "sucesso aos novos colegas" em letras pequenas (fonte 10) e todas minúsculas.

Definitivamente, sair da faculdade e iniciar na advocacia sem ter uma carteira de clientes (ou alguém sai da faculdade já tendo uma?) e com um débito de quase R$600,00 (com inscrição e anuidade) não é um bom negócio... pelo menos para os advogados iniciantes.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Mutirão carcerário do CNJ no Paraná

Segue o panfleto com algumas informações sobre o mutirão carcerário do CNJ que será realizado aqui no Estado do Paraná, de 23 de fevereiro a 09 de maio.


(Clique sobre a imagem para vê-la ampliada)

Pena que ainda não recebi minha OAB...

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

As súmulas de competência penal do STJ - Para quem vai fazer a 2ª fase da OAB (II)

Dando continuidade às postagem anterior, visando a auxiliar o pessoal que vai fazer a 2ª fase da OAB, seguem as súmulas de competência penal do STJ:


Súmulas 38, 42, 48, 62, 104, 107, 122, 140, 147, 151, 165, 192, 200, 206, 208, 209, 244, 348.


Vale a pena grifar no Código.

Amanhã, as súmulas do STF favoráveis à defesa.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

As súmulas de competência do STF - para quem vai prestar 2ª fase da OAB

Considerando que, de acordo com as novas regras do Exame de Ordem, na prova prático-profissional, não poderão mais ser usados livros de doutrina e jurisprudência, mas apenas legislação "seca" com, no máximo, remissões a outras leis e dispositivos legais e a súmulas, enunciados e orientações jurisprudências, disponibilizaremos aqui no blog uma seleção das Súmulas do STF e do STJ em matéria penal que tratam da competência. Hoje, seguem as súmulas do STF:


STF
Súmulas sobre competência penal:

297, 298, 396, 451, 498, 521, 522, 603, 691, 702, 704, 706, 721,


terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Conheça a profissão de advogado criminal

Para quem quiser conhecer um pouco mais sobre a carreira da advocacia criminal, segue em 03 partes a edição do programa carreiras da TV Justiça onde o advogado Antônio Carlos Almeida Castro apresenta o trabalho de um advogado criminalista em seus vários aspectos:


Parte I

Parte II

Parte III

domingo, 24 de janeiro de 2010

A súmula vinculante n° 11 na prática II - A violação continua

A história se repete em diferentes lugares...
O caso que narrei na última postagem aqui do blog ocorreu aqui em Maringá e aconteceu com meu ex-professor de prática processual, o de hoje aconteceu em Toledo, também no Paraná, e me foi narrado por um amigo que lá advoga.
Vamos ver a quantas continuações chega esse "filme" de violações a direitos fundamentais.

- Excelência, gostaria que fossem retiradas as algemas.
(Nisso um dos policiais militares que conduziam o acusado apresenta à juíza um documento retirado de um montinho com vários outros iguais, semelhante à uma mala direta, onde o nome do acusado foi preenchido ali na hora, à caneta. Nele o comandante da PM alegava a necessidade de o acusado permanecer algemado como "medida de segurança aos presentes".)
- Sinto muito, doutor, mas a própria polícia está aqui dizendo que isso pode ser perigoso.

É a algema por atacado.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A súmula vinculante n° 11 na prática


- Excelência, eu gostaria que fossem retiradas as algemas do meu cliente
- Sinto muito, doutor, mas não vai ser possível.
- Mas por quê? (será que preciso lembrar que tem a súmula?!)
- Semana passada um outro acusado pulou da janela aqui da sala de audiências do segundo andar e quase que a polícia não pega.
- Mas ele não tava algemado?
- Tava, agora imagina se não estivesse!


Súmula vinculante n° 11


“Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Francesco Carnelutti e o Programa "Começar de novo" do CNJ

Lançado em Dezembro de 2008 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o Programa “Começar de Novo”, tem como objetivo facilitar a reinserção de presidiários no mercado de trabalho, após o cumprimento da pena, por meio de ações que estimulem as empresas e a sociedade, de um modo geral, a aceitar e contratar estas pessoas. Tem a proposta, ainda, de oferecer educação e capacitação profissional para deixar estes ex-presidiários aptos para conseguir um emprego e, dessa forma, prontos para retornar ao convívio social.

Mostra-se um programa salutar e que merece ser aplaudido pelas intenções, todavia, um ponto bastante interessante já levantado há décadas pelo ilustre processualista italiano Francesco Carnelutti, em sua pequena grande obra "As misérias do processo penal", é: como o Estado quer que o cidadão contrate um egresso se ele mesmo não o faz ao exigir ficha criminal limpa para para o ingresso em seus quadros através de concurso público?

Parece algo do tipo "faça o que eu digo, não faça o que eu faço".

Seguem abaixo transcritas as lições do mestre italiano:

"Trata de coisa sabida por todos: quem ignora que para aspirar a um emprego público necessita ter limpa a certidão criminal?

E não se pode contestar que esta seja a exigência mais racional deste mundo. Nem que se o Estado se comporta assim, os cidadãos não teriam razão de imitá-lo. Somente, na linha de raciocínio, igualmente se deve reconhecer que a idéia do encarcerado, que conta os dias sonhando com a libertação, não é mais que um sonho; bastam poucos dias depois que as portas da cadeia se abriram para acordá-lo. Então, infelizmente, dia a dia, a sua visão do mundo se coloca de cabeça para baixo: no fundo, no fundo, estava melhor na cadeia. Este lento desfolhar-se das ilusões, este reverter de posições, este desgosto daquela que ele acreditava ser a liberdade, este voltar o pensamento à prisão, como aquela que é, enfim a sua casa, foi descrito egregiamente em um notável romance de Hans Fallada; mas as pessoas não devem crer que sejam situações criadas pela fantasia do escritor: a invenção corresponde infelizmente à realidade.
Nem aqui seja dito, ainda uma vez, contra a realidade que se quer de fato protestar. Basta conhecê-la. A conclusão de havê-la conhecido é esta: as pessoas crêem que o processo penal termina com a condenação e não é verdade; as pessoas crêem que a pena termina com a saída do cárcere, e não é verdade; as pessoas crêem que o cárcere perpétuo seja a única pena perpétua; e não é verdade. A pena, se não mesmo sempre, nove vezes em dez não termina nunca. Quem em pecado está é perdido. Cristo perdoa, mas os homens não".
(Carnelutti, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Brasil, Conan, 1995. p. 77)