sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Mudança na Lei de proteção à testemunha: alteração processual

Por força da Lei 12.483/2011, a Lei 9.807/1999 passou a vigorar acrescida do art. 19-A que dispõe que:
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Art. 19-A Terão prioridade na tramitação o inquérito e o processo criminal em que figure indiciado, acusado, vítima ou réu colaboradores, vítima ou testemunha protegidas pelos programas de que trata esta Lei. 

Parágrafo único. Qualquer que seja o rito processual criminal, o juiz, após a citação, tomará antecipadamente o depoimento das pessoas incluídas nos programas de proteção previstos nesta Lei, devendo justificar a eventual impossibilidade de fazê-lo no caso concreto ou o possível prejuízo que a oitiva antecipada traria para a instrução criminal.

A prioridade de tramitação, se efetivamente aplicada, trará um alívio às testemunhas coagidas que poderão se livrar mais rapidamente do pesadelo que pra elas se torna a participação no processo criminal.

sábado, 3 de setembro de 2011

Um momento de lucidez no Tribunal

Apesar de serem raros os exames de sanidade mental, até mesmo pela falta de profissionais habilitados na rede pública, nunca faltaram magistrados que em suas sentenças faziam verdadeiros “laudos” sobre a personalidade do acusado.

Quando isso acontecia, eu, como diversos colegas, recorríamos sem sucesso até que me apareceu a luz no fim do túnel com o acórdão da apelação crime n. 713.349-1do TJ/PR.

Recorri, sem esperanças, resumidamente, nos seguintes termos em razões de apelação:

Como se depreende da fundamentação da sentença, o ilustre magistrado usou como parâmetro condenatório tão-somente os “péssimos antecedentes” do acusado, em trechos como “é alguém que, com profundas raízes na criminalidade” (fls. 307) e “não obstante sua pouca idade, apresenta personalidade deturpada, com séria propensão à prática delituosa, em especial crimes contra o patrimônio” (fls. 309) chegando até mesmo ao extremo de criar uma presunção contrária ao réu a partir de uma sentença desclassificatória em outro processo (!!!), senão vejamos às fls. 30:
“Muito embora a sentença proferida naquela ação penal tenha sido desclassificatória, indica sua vinculação com a droga” (fls. 30).

Tal fato corrobora ainda mais a tese de que o magistrado ancorou-se no direito penal do autor quando se leva em conta que, no caso em tela, o acusado não está sendo acusado pelo crime de tráfico ilícito de substância entorpecente, mas de receptação.

E fui surpreendido quando no acórdão, foi feita esta magistral fundamentação que é uma verdadeira aula de processo penal e psicologia forense:

"Da personalidade: Neste contexto, a nobre defesa destacou que não poderia o juízo sentenciante se utilizar da circunstância judicial da personalidade para aumentar sua reprimenda, pois o fato de possuir antecedentes criminais não é indicativo de que tenha uma vida voltada para o cometimento de crimes.

De fato esta circunstância não pode pesar em desfavor do réu. Em um exame exaustivo da literatura, Allport extraiu quase cinquenta definições diferentes que classificou em categorias amplas. Antes de qualquer coisa, então, para proceder levantamento apurado e, principalmente, para poder fundamentar o juízo sobre a personalidade do réu, deveria o juiz indicar qual o conceito de personalidade em que se baseou para a tarefa, qual a metodologia utilizada, quais foram os critérios e os passos seguidos e, em conseqüência, em qual momento processual foi-lhe possibilitada a averiguação.

A condição que colocamos é que inexistem condições mínimas de o julgador, no processo, estabelecer este juízo. A propósito, tradicional compêndio de psiquiatria demonstra que, para avaliação de personalidade, o técnico (psiquiatra) deve, no mínimo, realizar algumas etapas. A primeira, referente à fase da Testagem Psicológica de Inteligência e Personalidade, compreende dois testes: (1o) teste objetivo, baseado em itens e questões específicas para fornecimento de escores e perfis sujeitos à análise (p. ex., Inventário Multifásico da Personalidade Minesota – MMPI, Inventário Multifacial de Milton – MCMI, Inventário de Estado-Traço de Ansiedade – STAL, Inventário ou Questionário de Personalidade Eysenck – EPQ etc.); (2o) teste projetivo, que apresenta estímulo cujo significado não é imediatamente óbvio, pois, o grau de ambigüidade força o sujeito a projetar suas próprias necessidades na situação de testagem (p. ex. Teste de Apercepção Temática – TAT, Teste de Rorschach, Teste de Associação de Palavras etc.).

Contudo, o psiquiatra ainda não está habilitado a produzir o diagnóstico acerca da personalidade do indivíduo, requerendo, ainda, realizar a Entrevista Psiquiátrica, onde, entre outros dados, será acolhida a História Psiquiátrica do paciente e será feito o Exame do Estado Mental (EEM).

Não obstante o percurso já traçado, outros testes ainda podem ser necessários para definir os traços da personalidade do agente, que são os Estudos Diagnosticais. Tais testes compreendem exame neurológico, tomografia computadorizada, entrevistas diagnósticas psiquiátricas adicionais, entrevistas com familiares, etc...

Nota-se, desta forma, que a noção de personalidade do acusado normalmente auferida pelos magistrados padece de profunda anemia significativa...3

Portanto, o aumento de pena por esta circunstância deve ser afastado.”

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

A situação dos advogados criminais, esses desconhecidos



O caso acima aconteceu recentemente, em Maringá/PR, cidade onde fiz minha graduação em Direito e, para minha surpresa, com o professor Marco Alexandre, pessoa com quem aprendi valiosas lições de Direito Penal nos bancos da faculdade e cheguei inclusive a recomendar seu livro "Economia Política das Penas" aqui no blogue.

As cenas postadas acima falam por si e mostram um aspecto lamentável que ainda permeia nossa sociedade: ela ainda pensa que justiça se faz só com um lado, quando a balança do Direito, em verdade, tem dois.

Infelizmente essa questão da falta de consciência da importância dos dois lados da balança é bastante antiga; Ruy Barbosa já tratou a respeito dela em sua obra "O dever do advogado", que em outubro completará 100 anos, e que pode ser resumida (como já disse Evaristo de Moraes Filho em seu prefácio) em três parágrafos que transcrevo abaixo:

Ora, quando quer e como quer que se cometa um atentado, a ordem legal se manifesta necessariamente por duas exigências, a acusação e a defesa, das quais a segunda por mais execrando que seja o delito, não é menos especial à satisfação da moralidade pública do que a primeira. A defesa não quer o panegírico da culpa, ou do culpado. Sua função consiste em ser, ao lado do acusado, inocente, ou criminoso, a voz dos seus direitos legais.
Se a enormidade da infração reveste caracteres tais, que osentimento geral recue horrorizado, ou se levante contra ela em violenta revolta, nem por isto essa voz deve emudecer. Voz do Direito no meio da paixão pública, tão susceptível de se demasiar, às vezes pela própria exaltação da sua nobreza, tem a missão sagrada, nesses casos, de não consentir que a indignação degenereem ferocidade e a expiação jurídica em extermínio cruel.
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Recuar ante a objeção de que o acusado é “indigno de defesa”, era o que não poderia fazer o meu douto colega, sem ignorar as leis do seu ofício, ou traí-las. Tratando-se de um acusado em matéria criminal, não há causa em absoluto indigna de defesa. Ainda quando o crime seja de todos o mais nefando, resta verificar a prova; e ainda quando a prova inicial seja decisiva, falta, não só apurá-la no cadinho dos debates judiciais, senão também vigiar pela regularidade estrita do processo nas suas mínimas formas. Cada uma delas constitui uma garantia, maior ou menor, da liquidação da verdade, cujo interesse em todas se deve acatar rigorosamente.

Termino a postagem externando minha solidariedade ao professor Marco Alexandre ainda com as palavras de Ruy Barbosa sobre a vocação para ser defensor: "nem todos para ela têm a precisa coragem. Nem todos se acham habilitados, para ela, com essa intuição superior da caridade, que humaniza a repressão, sem a desarmar. Mas os que se sentem com a força de proceder com esse desassombro de ânimo, não podem inspirar senão simpatia às almas bem-formadas".

E o senhor me inspira (e a muitos outros colegas, sem dúvida), essa simpatia.

A volta do blog

Faz algum (muito) tempo que eu não postava no blog por absoluta falta de tempo. 
Passei no concurso para o Curso de Formação de Oficiais do Exército na EsFCEx e comecei o treinamento militar pra me tornar Tenente e assessorar o Exército na área jurídica. 
Tive que interromper minha curta carreira de advogado criminalista (a OAB não permite que militares sejam inscritos em seus quadros), mas isso não significa que eu ainda não tenha mais histórias de júri pra contar ou tenha me afastado dos assuntos relacionados a direito penal e criminologia, minhas paixões.

Minha beca de júri continua ali, guardadinha esperando algum dia, quem sabe (até quando me aposentar), voltar a ser usada.