terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Princípio da verdade real x caso Lindemberg

Saiu com destaque na imprensa:

"A senhora precisa voltar a estudar", diz advogada de Lindemberg à juíza do caso Eloá

"Após encerrar suas questões para a perita da Polícia Civil Dairse Aparecida Pereira Lopes, uma das testemunha de defesa ouvidas nesta terça-feira (14) --segundo dia do julgamento--, Assad (advogada de defesa) pediu a juíza do caso para fazer mais algumas perguntas, o que foi indeferido pela magistrada.

“Em nome do princípio da verdade real, eu quero ouvir a testemunha de novo”, alegou a defensora. “Esse princípio não existe ou não tem esse nome”, retrucou a juíza Milena Dias. “Então a senhora precisa voltar a estudar”, disse a advogada." (Fonte: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/02/14/a-senhora-precisa-voltar-a-estudar-diz-advogada-de-lindemberg-a-juiza-do-caso-eloa.htm)

Embora pareça estranho o termo ao leigo em direito, que pode pensar -"e lá existe uma verdade irreal?", a advogada tem razão.

O princípio da verdade real, que a juíza disse desconhecer, vige no processo penal, em contrapartida à verdade formal adotada no processo civil e significa que, no processo penal, o juiz deve buscar a verdade substancial dos fatos submetidos a julgamento, ou seja, enquanto no processo civil o juiz busca a verdade com o que é trazido aos autos pelas próprias partes em suas declarações e documentação, no processo penal esta verdade não é suficiente e o juiz deve ir além, tanto que, por exemplo, ainda que o réu confesse os fatos, deve o julgador penal analisar em que circunstâncias foi feita essa confissão e se ela está de acordo com os outros elementos dos autos para que ela seja reputada representativa da verdade no processo.

Antes que eu venha a cometer uma injustiça, a juíza pode não estar de todo errada e conhecer este princípio apenas pelo seu outro nome: princípio da verdade material.

Para arrematar, um exemplo prático onde o STJ reconheceu a aplicação do princípio da verdade real para que o juiz arrole a vítima para ser ouvida apesar de não ter sido arrolada pelas partes:
PENAL. PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CORRUPÇÃO DE TESTEMUNHA. ART. 343 DO CP. CONDIÇÃO DE TESTEMUNHA COMO ELEMENTAR DO TIPO. REEXAME DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 07/STJ. ARROLAMENTO DO OFENDIDO PELAS PARTES. POSSIBILIDADE. DEVER DO MAGISTRADO PROCEDER A SUA INQUIRIÇÃO DE OFÍCIO. OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA VERDADE REAL. Existindo necessidade de análise de questão fática ou de provas, não há como este Tribunal examiná-las em sede de recurso especial, pela incidência da Súmula 7/STJ. Apesar da parte ofendida não ser testemunha, ela pode ser arrolada pelas partes, não só porque o art. 201 do CPP expressamente menciona que será ouvida "sempre que possível", mas também pelo fato de que na área penal vige o Princípio da Verdade Real, daí o dever do magistrado, caso as partes não a arrolem, de ofício determinar a sua inquirição. Agravo regimental não provido.343CP077201CPP
(445172 DF 2002/0078826-0, Relator: Ministro PAULO MEDINA, Data de Julgamento: 06/06/2005, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJ 01.08.2005 p. 578)


3 comentários:

  1. Acontece que a advogada ofendeu a juíza equivocadamente; isso porque a doutrina mais moderna é tendente a abandonar a terminologia 'verdade real', pois essa é inatingível; a verdade deve chegar o mais próximo possível da realidade, mas vem sempre impregnada das expriencias de seus expectadores; além disso, verdade é verdade; não existe verdade real ou verdade quase real... é verdade ou é mentira. Ainda, essa a terminologia maculava a verdade no processo civil, como se nele não se buscasse a verdade real, o que não é aceitável diante da cooperaçaõ instituida nessa seara e dos poderes de instrução concedidos ao juiz.
    A concepção de verdade real está completamente superada por duas razões:

    1) no processo civil brasileiro o juiz tem poder instrutório; o juiz pode, de ofício, determinar a produção de qualquer meio de prova em juízo. Se o juiz pode produzir provas de ofício, significa que ele não pode se contentar com a verdade produzida pelas partes (verdade formal). Dizer que o processo civil tem sistema que busca a verdade formal é incompatível com o sistema que atribui poder instrutório ao juiz.

    2) o outro fundamento é de ordem filosófica. Verdade real não existe. É uma idéia, uma quimera. O passado (o que aconteceu) só chega a todos nós por meio do relato de alguém; e o relato de alguém vem impregnado de todas as características e experiências de vida dessa pessoa. A verdade é a reconstrução do que aconteceu; e a reconstrução não pode corresponder com a verdade.

    “O segredo da verdade consiste em saber que não existem fatos, só existem histórias” (‘Viva o povo brasileiro’, João Paulo).

    A verdade que serve à decisão não é nem a verdade real, nem a verdade formal, mas a verdade possível: a verdade possível é aquela que pode ser reconstruída de acordo com os limites do devido processo legal. Há quem diga que a verdade do processo é a verdade mais próxima possível da real, é aquela que pode ser reconstruída na medida do possível.

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  2. Talita,

    Concordo com você quando diz que no processo civil a visão de verdade formal não mais condiz com a nova sistemática processual. Aludi à verdade formal relacionada ao processo civil porque a doutrina, principalmente a clássica, se referia a este princípio como regedor da processualística civil e também porque a busca da "verdade real" é mais relativizada que no processo penal e no processo do trabalho, o que procurei fazer foi trazer o contraste da verdade real x formal porque geralmente o leigo se pergunta: uai, mas e lá tem verdade que não é real?!

    Essa questão filosófica sobre a verdade real é bastante interessante. Malatesta em seu clássico "a lógica das provas em matéria criminal" discorre abundantemente sobre essa complexidade e até me lembrei de uma frase interessante que meu antigo professor de sociologia jurídica gostava de repetir: "a realidade não é, ela significa"

    Quanto à advogada estar errada, discordo.
    Ainda que a terminologia, como você muito bem ressaltou, não seja a mais adequada, é a usada correntemente pela doutrina e pela jurisprudência e causa estranheza que a juíza não a conheça. O pior de tudo, pra mim, não foi ela não conhecer, mas ter sido irônica com a advogada do caso quando deveria manter-se imparcial.

    Abraço!

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  3. Está certo! Concordo contigo!

    Só acho que ela foi grosseira ao dizer que a juíza precisava voltar a estudar... obviamente a magistrada já ouviu falar em verdade real, e inclusive na nova tendência da doutrina em aboli-la, em razão se sua atecnia; mas a defensora o fez apenas para causar polêmica e repercussão na mídia, atitude igualmente reprovável.

    Abraço,

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