quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Mais um caso inusitado

Pegar bicicleta emprestada e não saber onde deixou não caracteriza apropriação indébita

DECISÃO
16/11/2009 - 11h12

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu, por unanimidade, o pedido de habeas corpus em favor de M.C., que cumpria pena pelo crime de apropriação indébita. A Turma entendeu que não houve dolo (tipicidade penal) na conduta de M.C., que pegou uma bicicleta, avaliada em R$ 220, emprestada com um amigo para fazer compras, embriagou-se e esqueceu-se do veículo na porta do supermercado. Ao retornar para a casa do dono da bicicleta, não sabia dizer em que lugar a havia esquecido.

Em maio de 2003, na cidade de Miranda, em Mato Grosso do Sul, M.C. pediu emprestada a bicicleta marca Sundow 18 marchas que pertencia a W.M.O. com a finalidade de comprar carne e outros produtos com o objetivo de fazer um churrasco. Algumas horas depois, M.C. retornou ao apartamento do amigo sem a bicicleta, afirmando que não sabia onde havia deixado o bem. Vinte dias depois, W.O. conseguiu reaver a bicicleta que estava abandonada no mesmo local no qual havia sido esquecida, o Mercado Lisboa.

A denúncia por apropriação indébita aconteceu em 2006 e, um ano depois, o acusado foi condenado à pena de um ano e seis meses de reclusão, tendo sido estabelecido o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena. A defensoria pública recorreu ao Tribunal de Justiça estadual (TJMS) para que fosse extinta a ação penal por ausência de justa causa, mas o tribunal negou provimento ao recurso: “Não há que se falar em absolvição se restou demonstrado nos autos que o agente não tinha a intenção de devolver a bicicleta para a vítima, uma vez que esta só foi recuperada porque a própria vítima a encontrou, sendo que o agente em nada contribuiu para o feito”.

Inconformada, a defesa apelou ao STJ, alegando que M.C. foi injustamente condenado. “Uma mera análise superficial da prova testemunhal evidencia a atipicidade de sua conduta pela absoluta ausência de dolo. Afinal, a própria vítima, W.O., durante as fases do processo, confirma terem se passado cerca de seis horas entre o empréstimo da bicicleta e o retorno do amigo sem o referido veículo; e que ele voltou até o prédio em tal grau de embriaguez que, num primeiro momento, sequer se lembrava de ter pegado a bicicleta. Somente quando foi confrontado com testemunhas que presenciaram o empréstimo, foi que ele assumiu não se lembrar onde a deixara”.

A defensoria também alegou que na única oportunidade em que foi ouvido, o acusado deixou claro jamais ter tido a intenção de se apoderar da bicicleta, não tendo devolvido o bem ao legítimo dono simplesmente porque não sabia onde a havia deixado. Com base nestes argumentos, requereu ao STJ concessão do habeas corpus para “absolver M.C. e mantê-lo em liberdade, diante da atipicidade de sua conduta pela ausência de dolo”.

O ministro Nilson Naves, relator do processo, acolheu as alegações da defesa e ressaltou: “No caso, pode-se afirmar que o paciente foi displicente, negligente mesmo com a coisa que lhe foi emprestada, pois em vez de embriagar-se a ponto de esquecer onde deixara a bicicleta que não era dele, deveria ter feito suas compras e prontamente devolvido o veículo ao proprietário. Sua conduta poderia se encaixar numa modalidade culposa, mas fica a anos luz do dolo exigido para configurar a apropriação indébita descrita no Código Penal”.

Para o relator, M.C. não obteve nenhum proveito em razão do empréstimo, uma vez que a bicicleta ficou abandonada na porta do estabelecimento comercial por vinte dias. “Como, então, atestar a vontade inequívoca de não restituir o bem? Tenho sérias dúvidas da tipicidade do fato. O meu convencimento é o da desnecessidade aqui da tutela penal, visto que a ação de apropriar-se ficou a meio caminho – se o crime é um fato típico e antijurídico, como se falar em conduta penalmente punível se o elemento subjetivo não se confirmou?”, salientou.

Seguindo o voto do relator, que concluiu não haver justa causa para ação penal pelo crime de apropriação indébita, os ministros da Sexta Turma concederam o pedido de habeas corpus, extinguindo o processo.

Fonte: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=94649, acesso em 17/11/2009.


Torna-se compreensível, quando chegam casos como este, o pleito do STJ por institutos como a súmula vinculante e a repercussão geral, já utilizados pelo STF para filtragem dos casos que ali chegam.>

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

O indulto de natal

Em entrevista concedida à TV Justiça, o desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) Edson Smaniotto fala sobre o indulto de natal e explica a diferença entre o indulto e a saída temporária e quais os requisitos para que o preso obtenha tais benefícios.


Neste ano, o indulto foi concedido pelo Presidente da República através do Decreto nº 7.046 de 22.12.2009 e repetiu a inovação trazida pelo Decreto 4.904/2003 ao conceder o indulto humanitário, previsto no inciso IV e nas alíneas "a", "b" e "c", do inciso VII, do Decreto deste ano, às mulheres (condenadas à pena superior a 8 anos e que tenham cumprido em regime fechado ou semiaberto, um terço da pena, se não reincidentes, ou metade, se reincidentes) que tenham filhos com deficiência mental ou física ou menores de 16 anos e que necessitem de seus cuidados e; aos presos paraplégicos, tetraplégicos, portadores de cegueira total e de doenças graves e permanentes, havendo, nestas hipóteses o requisito da constatação por laudo de médido oficial ou designado pelo Juízo de Execução.


Merece destaque também o inciso VIII, do art. 1° do Decreto, ao conceder o indulto às pessoas submetidas à medida de segurança, independentemente da cessação da periculosidade que, até 25 de dezembro de 2009, tenham suportado privação da liberdade, internação ou tratamento ambulatorial por período igual ou superior ao máximo da pena cominada à infração penal correspondente à conduta praticada, ou, nos casos de substituição prevista no art. 183 da Lei nº 7.210, de 1984, por período igual ao tempo da condenação, mantido o direito de assistência nos termos do art. 196 da Constituição.

Não deixa de ser uma forma de extinguir a "prisão perpétua" a que estavam submetidos os que cumpriam medida de segurança e que em postagem anterior chamamos a atenção com o documentário "a casa dos mortos".

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

A cifra dourada na prática


Tarso: bloqueio da Satiagraha dá recado de impunidade
VANNILDO MENDES - Agencia Estado

BRASÍLIA - A decisão do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Arnaldo Esteves Lima de suspender os atos da Operação Satiagraha, que investigou o banqueiro Daniel Dantas, dono do grupo Opportunity, recebeu hoje duras críticas do ministro da Justiça, Tarso Genro. Para ele, a medida, embora legítima, cria a sensação de impunidade na população. "Num processo dessa importância, isso tem grave reflexo no senso comum", disse. "Confirma aquela conclusão clássica: os poderosos no Brasil dificilmente vão para a cadeia."Genro considerou a decisão temerária e a atribuiu às falhas do sistema processual penal do País, que a seu ver permite "recursos dilatórios infindáveis", com o STJ e o Supremo Tribunal Federal (STF) funcionando como instâncias a mais no emaranhado de instâncias recursais. Segundo ele, isso "alimenta na sociedade a sensação de que aqueles bem aquinhoados são protegidos pelo Poder Judiciário, o que a rigor não é verdade".


O problema, disse, "é que uma decisão desse tipo cria no senso comum a visão de que os ricos são inatingíveis pela Justiça".Ele ressalvou que sua crítica não leva nenhum demérito a quem proferiu a sentença. "Os ministros são conscientes e decidem de acordo com a lei, mas obviamente algo tem que mudar na estrutura processual penal brasileira, para que essas coisas não se repitam de maneira tão frequente." A decisão baixada pelo ministro do STJ suspende toda a operação e as sanções já determinadas contra o banqueiro e suas empresas. O gabinete do ministro Arnaldo Esteves Lima informou que ele está de férias e não poderia fazer nenhum comentário a respeito das declarações de Genro.

Mais um que não passou pelo processo $eletivo para aplicação do sistema penal...



quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

A casa dos mortos

"A maioria morre aqui é por enforcamento"
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Embora exista um filme de terror homônimo, não é dele que nos referiremos nessa postagem, mas do documentário dirigido brilhantemente pela antropóloga Débora Diniz, e que não deixa de pertencer a este mesmo gênero ao retratar o dia-a-dia de um manicômio judiciário em Salvador.
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“Durante 24 minutos, internos que sobrevivem ou morrem em um presidio psiquiátrico em Salvador (BA) se tornam os narradores do documentário A Casa dos Mortos, produção da Universidade de Brasília selecionada para concorrer na categoria curta-metragem do festival internacional É Tudo Verdade (o mais influente da américa latina). O título do filme se refere a internos que morrem na instituição, seja por doença ou suicídio, e aqueles que simplemente deixam de viver: abandonados, sedados, sem perspectivas ou futuro. Muitas vezes sequer têm consciência de quem são.” (Da Secretaria de Comunicação da UnB).
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Um tapa na cara... que nos faz lembrar, ainda que por alguns instantes, destes "mortos" cada vez mais esquecidos e relegados à prisão perpétua que a Constituição diz ser vedada.
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O documentário encontra-se disponível na íntegra em:
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http://www.youtube.com/watch?v=FLuZVLojKJw (no youtube com legendas em inglês)
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"que se reescrevam então os infernos de Dante Alighieri, mas aqui é a realidade manicomial"

sábado, 5 de dezembro de 2009

A prisão como "tratamento" de saúde

É princípio consagrado em um Estado Democrático de Direito que o Direito Penal deve ser utilizado como "ultima ratio", ou seja, como última opção de controle, não podendo se tornar o "remédio para todos os males" sob pena de retrocesso a um Estado de exceção.
Fica evidente a cada dia que há uma quase obsessão pelo uso do Direito Penal, especialmente da pena privativa de liberdade, como solução rápida para problemas evidentemente sociais. Assim, abrandam a sensação de mãos atadas e transferem a culpa para o caos instaurado do Estado para o "inimigo".

Essa ampliação do Direito Penal é uma tendência e, a longo prazo, assusta pensar nas consequências... Vejamos um caso prático, noticiado essa semana aqui em Maringá-PR (04/12/2009), onde o cárcere, ante a falta de vagas em clínicas para recuperação de dependentes químicos, passou também a ter esta função c(l)ínica:


"Dos 153 detentos recolhidos no minipresídio da 9ª Subdivisão Policial (SDP), de Maringá, cerca de 80% seriam usuários de crack. “Para a maioria, ficar preso acaba se transformando num tratamento de saúde forçado, mas não deixa de ser um tratamento eficaz”, diz o investigador Josué Batista Nunes, que há cerca de seis anos responde pela chefia de carceragem. Em geral, a polícia não encontra dificuldade em identificar um viciado. Emagrecimento, tosse constante, falta de concentração e agitação são sintomas clássicos que denunciam o usuário de crack. No entanto, bastam alguns meses trancafiados para que o usuário recupere a vitalidade, pelo menos aparente — já que internamente os estragos causados pela droga são irrecuperáveis. Os problemas causados pelo crack levaram alguns detentos mais antigos – denominados “xerifes” - a proibirem o consumo da droga na cadeia. No recado, repassado de boca a boca — até mesmo para as visitas, que ingressavam com a droga escondida dentro do corpo — os presos foram alertados de que seriam surrados, caso fossem flagrados usando o entorpecente. Desde a “proibição”, reduziram-se os furtos e brigas dentro da cadeia." (Fonte: http://www.odiariomaringa.com.br/noticia/231557, acesso em 05/11/2009)

Fica a reflexão de Jesús-Maria Silva Sánchez: "tal expansão é em boa parte inútil, na medida em que transfere ao Direito Penal um fardo que ele não pode carregar" (in: SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. A expansão do Direito Penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. São Paulo: RT, 2002, p. 61).

E o questionamento:
Se ele (Direito Penal) não pode carregar porque o Estado se recusou, no final, carregar o fardo sobrará pra quem?