Apesar de serem raros os exames de sanidade mental, até mesmo pela falta de profissionais habilitados na rede pública, nunca faltaram magistrados que em suas sentenças faziam verdadeiros “laudos” sobre a personalidade do acusado.
Quando isso acontecia, eu, como diversos colegas, recorríamos sem sucesso até que me apareceu a luz no fim do túnel com o acórdão da apelação crime n. 713.349-1do TJ/PR.
Recorri, sem esperanças, resumidamente, nos seguintes termos em razões de apelação:
Como se depreende da fundamentação da sentença, o ilustre magistrado usou como parâmetro condenatório tão-somente os “péssimos antecedentes” do acusado, em trechos como “é alguém que, com profundas raízes na criminalidade” (fls. 307) e “não obstante sua pouca idade, apresenta personalidade deturpada, com séria propensão à prática delituosa, em especial crimes contra o patrimônio” (fls. 309) chegando até mesmo ao extremo de criar uma presunção contrária ao réu a partir de uma sentença desclassificatória em outro processo (!!!), senão vejamos às fls. 30:
“Muito embora a sentença proferida naquela ação penal tenha sido desclassificatória, indica sua vinculação com a droga” (fls. 30).
Tal fato corrobora ainda mais a tese de que o magistrado ancorou-se no direito penal do autor quando se leva em conta que, no caso em tela, o acusado não está sendo acusado pelo crime de tráfico ilícito de substância entorpecente, mas de receptação.
E fui surpreendido quando no acórdão, foi feita esta magistral fundamentação que é uma verdadeira aula de processo penal e psicologia forense:
"Da personalidade: Neste contexto, a nobre defesa destacou que não poderia o juízo sentenciante se utilizar da circunstância judicial da personalidade para aumentar sua reprimenda, pois o fato de possuir antecedentes criminais não é indicativo de que tenha uma vida voltada para o cometimento de crimes.
De fato esta circunstância não pode pesar em desfavor do réu. Em um exame exaustivo da literatura, Allport extraiu quase cinquenta definições diferentes que classificou em categorias amplas. Antes de qualquer coisa, então, para proceder levantamento apurado e, principalmente, para poder fundamentar o juízo sobre a personalidade do réu, deveria o juiz indicar qual o conceito de personalidade em que se baseou para a tarefa, qual a metodologia utilizada, quais foram os critérios e os passos seguidos e, em conseqüência, em qual momento processual foi-lhe possibilitada a averiguação.
A condição que colocamos é que inexistem condições mínimas de o julgador, no processo, estabelecer este juízo. A propósito, tradicional compêndio de psiquiatria demonstra que, para avaliação de personalidade, o técnico (psiquiatra) deve, no mínimo, realizar algumas etapas. A primeira, referente à fase da Testagem Psicológica de Inteligência e Personalidade, compreende dois testes: (1o) teste objetivo, baseado em itens e questões específicas para fornecimento de escores e perfis sujeitos à análise (p. ex., Inventário Multifásico da Personalidade Minesota – MMPI, Inventário Multifacial de Milton – MCMI, Inventário de Estado-Traço de Ansiedade – STAL, Inventário ou Questionário de Personalidade Eysenck – EPQ etc.); (2o) teste projetivo, que apresenta estímulo cujo significado não é imediatamente óbvio, pois, o grau de ambigüidade força o sujeito a projetar suas próprias necessidades na situação de testagem (p. ex. Teste de Apercepção Temática – TAT, Teste de Rorschach, Teste de Associação de Palavras etc.).
Contudo, o psiquiatra ainda não está habilitado a produzir o diagnóstico acerca da personalidade do indivíduo, requerendo, ainda, realizar a Entrevista Psiquiátrica, onde, entre outros dados, será acolhida a História Psiquiátrica do paciente e será feito o Exame do Estado Mental (EEM).
Não obstante o percurso já traçado, outros testes ainda podem ser necessários para definir os traços da personalidade do agente, que são os Estudos Diagnosticais. Tais testes compreendem exame neurológico, tomografia computadorizada, entrevistas diagnósticas psiquiátricas adicionais, entrevistas com familiares, etc...
Nota-se, desta forma, que a noção de personalidade do acusado normalmente auferida pelos magistrados padece de profunda anemia significativa...3
Portanto, o aumento de pena por esta circunstância deve ser afastado.”